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O Loteamento Jardim São Paulo

 

Já se vivia nas terras do futuro Jardim São Paulo desde antes da organização dos lotes habitacionais negociados de forma organizada na década de 1940. Notícias dão conta de moradias de caráter rural e de vilarejo na localidade mesmo nos idos da década de 1910, enquanto a área era ainda conhecida de forma geral como Engenho São Paulo. 

 

O engenho foi desmembrado e transformado em lotes para fixação residencial, mas também existia na extensão das terras outros usos do espaço. Eram os casos das vacarias, que eram pequenas propriedades dedicadas à pecuária com rebanhos pouco numerosos. Os entrevistados alcançaram a existência delas na região e em uma Seu Almir chegou a ganhar seus primeiros trocados ajudando a extrair leite na antiga vacaria de Lula, que ficava próxima à linha do trem.

 

Em 1947 a Sociedade de Terrenos e Construções Limitada (SOTERCOL) iniciou um plano de vendas de lotes para construção residencial das terras do engenho, fixando na antiga casa grande seu escritório local de negociações – os compradores também podiam procurar a sede da empresa na Rua da Aurora, no Centro do Recife. Seu Diogo e Seu Almir, que chegaram no mesmo ano, confirmam que a ideia de comprar lotes de terrenos sem construção não agradou totalmente, pois aparentemente o público interessado tinha preferência por adquirir imóveis com as casas construídas, o que fez a SOTERCOL rever a estratégia de negociação e relançar o empreendimento vendendo também casas construídas a partir de abril de 1949, negociadas entre 65 mil a 75 mil cruzeiros. Antes disso tentaram construir pequenas casas de dois quartos em amplos terrenos de 10 x 20 metros, vendidas a partir de 12 mil cruzeiros.

 

Os primeiros anos do então loteamento Jardim São Paulo, que era identificado como área do bairro de Areias e ocasionalmente como área do bairro da Estância, foram também de improviso por parte dos moradores que começavam a chegar. Era limitada a disponibilidade de água encanada – e a figura de Seu Dorinho, o vendedor de água “pirangueiro” é lembrada por Seu Amir –, eram precários os acessos à comunidade que se fixava e também era problemático o atendimento de energia elétrica. A situação de ocupação inicial dos terrenos também ocorreu diante de queixas que eram denunciadas à imprensa na época, a exemplo de uma reclamação publicada no Diário de Pernambuco do dia 20 de junho de 1948, que trazia denúncia de que a distribuição de benefícios propagada pela publicidade e pelos negociadores de terrenos não correspondia à realidade verificada em muitos casos. Na “área alta” que passara a ser habitada por “gente rica e mediana” aparentemente tudo ocorria mais ou menos conforme o que fora inicialmente informado, mas nas imediações do Rio Jiquiá, segundo a reclamação, prevaleciam terrenos mais baratos em locais alagadiços que não foram aterrados adequadamente. A reclamação era resumida na descrição de que "na parte baixa, porém, onde está situado regular agrupamento de casas de pessoas pobres o quadro é bem diferente e entristecedor, pois até mesmo três troncos de coqueiros que serviam de ponte sobre o rio Giquiá, única ligação, aliás, com o exterior, foram retirados". A situação já dava conta da existência de um Jardim São Paulo dividido física e socialmente, cenário que décadas depois continuava sendo denunciada em relação a outras áreas que foram sendo posteriormente incorporadas ao bairro, a exemplo do Planeta dos Macacos – a partir da década de 1970.

 

O problema com locomoção também era sério e chegou a virar assunto na imprensa. Seu Diogo lembra que quando não recorria ao trem, era frequentemente necessário se deslocar para Areias com o propósito de pegar ônibus até o Centro do Recife. A Auto-Viação Cruzeiro respondia pelo serviço de transporte de passageiros para a localidade e eram frequentes as reclamações de usuários, o que teria levado a uma problemática tensão entre o proprietário da empresa e seus clientes, que o acusaram de retaliar a comunidade após as queixas apresentadas retirando de circulação veículos que atendiam ao jovem bairro que se formava, segundo informava uma nota publicada também no Diário de Pernambuco em 26 de outubro de 1948. Seu Almir ressaltou que outros serviços de lotação existiram na área, uns até de boa qualidade, com veículos de Seu Zezito, que de tão limpos eram impedidos de circular se o dono verificasse que não estavam higienicamente adequados para atender ao público.

 

O crescimento do bairro planejado era notório, quase que diariamente eram publicados anúncios de venda de terrenos ou casas construídas, além das ofertas para aluguéis e um morador que preferiu não se identificar chegou a estimar numa carta publicada no Diário de Pernambuco em 27 de maio de 1949 que a comunidade já contava então com cerca de 500 moradias e por volta de 2 mil habitantes e alertava que os serviços públicos prestados eram muito precários, exemplificando o caso da falta de iluminação das ruas num lugar que era “quase uma cidade dentro da outra”. Era, enfim, conforme nota publicada no jornal sobre os problemas da implantação de Jardim São Paulo, complicado “morar num bairro distante ou em rua transversal”, pois concluía-se que tal situação “é o mesmo que morar em Cabrobó” (Diário de Pernambuco, 28 de março de 1949). O problema da iluminação também acabava implicando em efeitos sobre a segurança, que já era assunto que não deixava de preocupar a comunidade mesmo no início no processo de formação do bairro e o rápido crescimento populacional foi também repercutindo em efeitos sobre a integridade física e patrimonial dos habitantes, sujeitos a constantes ameaças, sobretudo de roubos e furtos a residências. Até áreas de expansão do loteamento ainda desabitadas erma alvos de larápios mesmo durante a construção, pois queixas foram realizadas à polícia de furto de material a ser empregado em obras que estavam em andamento em meados de 1949.

 

Mas na memória nostálgica dos entrevistados, além dos problemas e dificuldades de implantação de um bairro planejado nos fins da década de 1940, prevaleceu um ambiente ainda agradável de natureza preservada e clima ameno. Seu Almir ressalta que esse clima atraiu sua família para a região, pois seu pai padecia de asma e os ares do antigo engenho favoreciam sua condição de saúde. O que se dizia mesmo como atrativo para a região até em comentários gerais e registro na imprensa era que o clima daquelas bandas do subúrbio era algo diferente, pois enquanto o calor predominava em Recife, em Jardim São Paulo a temperatura era moderada. O pequeno e hoje poluído, deteriorado e canalizado Rio Tejipió era limpo, abundante em peixes e ainda sedutor para banhistas que se refrescavam em suas águas. O mesmo ocorria no Rio Jiquiá, na dita “área baixa” de Jardim São Paulo, pois era outro curso de água reconhecido por sua limpeza e vivacidade natural. Vegetação vasta cobria as áreas desocupadas e no local onde hoje situa-se a praça central do bairro havia uma pequena lagoa que era a diversão da molecada, que brincava na água sem roupas mesmo. Outro registro de amenidade é exemplificado pela festividade local e os entrevistados também fizeram alusão à integração dos moradores através de comemorações. No mesmo ano da reclamação dos residentes da “área baixa”, Jardim São Paulo realizou sua primeira grande programação festiva de de Natal e “Ano Bom” – expressão que era mais popular na época que o usual “Ano Novo” – com barracas de “prendas”, danças, parques de diversões, espetáculos teatrais, mamulengos, apresentações de pastoris e com um baile na noite da véspera de Natal na velha casa grande, evento para o qual duas orquestras foram contratadas para animar a noite dos moradores de Jardim São Paulo.

Programação natalina de 1916 na região com realização de missas  no largo da Estação Areias (futura Estação Edgard Werneck), que, conforme indica a nota, tinha localização na área do Engenho São Paulo. (Diário de Pernambuco)

Anúncios publicados no Diário de Pernambuco em 1920 nos dias 1 de julho (o da esquerda) e 2 de agosto (o da direita) de venda das terras do Engenho São Paulo.

Recibo cedido por família antiga na localidade indica que o engenho já havia passado por uma divisão antes mesmo do loteamento atribuído ao início da formação do bairro. A área conhecida como Taquary já possuía lotes vendidos em plena década de 1930.

Nota publicitária publicada no Diario de Pernambuco em 1 de novembro de 1947.

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